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Crônica de Osório Ferreira

Aproveite seus sonhos. É o que lhe resta.


Ilustração: Pixabay

Tardezinha de sábado e eu no bar de Bárbara bebendo a segunda garrafa de Devassa, cantarolando "Tareco e Mariola" – "quem é você pra derramar meu munguza..". Eis que chega o meu querido amigo José das Mercês:

- Oxi, Osório, você por aqui?

- Pois é Zezinho – respondi – vim comer um acarajé da Dolores e agora estou passando o tempo para voltar pra casa.

Nisso ele já se aboletava em uma cadeira ao meu lado e pedia:

- Bárbara, manda um copo pra mim que esse bebedor é muito devagar e a cerveja vai esquentar.

Virou-se para mim com um sorriso no rosto e perguntou:

- E o São João? Vai viajar ou fica por aqui mesmo?

- Este ano vou ficar por aqui mesmo. A experiência do ano passado não foi muito boa, ainda estou meio ressabiado...

- O que aconteceu? – indagou, como era de ser esperar em se tratando de Zezinho, que é o mais curioso dos baianos.

Nisso, Bárbara chegou com o copo e eu aproveitei para pedir mais uma cerveja, ciente que a que estava na mesa, garrafa quase cheia, não duraria muito.

- Me conte o que aconteceu no ano passado – pediu.

- Rapaz, eu me meti numa enrascada das brabas. Tudo começou com aquela história de "numa esteira o meu sapato pisa no sapato dela..."

- Pera lá, me conte essa história direito – cobrou.

- No ano passado eu viajei com a banda do nosso amigo Jorge. Na Levada. Uma turma boa que faz um forró de primeira. Não vou dizer a cidade para não comprometer ninguém, mas foi uma viagem tranquila, um ônibus confortável, tudo que a gente tem direito. Chegamos na tal cidade por volta das 15 horas e o show estava marcado para começar às 21h. Passamos o som e fomos descansar no hotel. Por volta das 19 horas, chegou o prefeito, acompanhado da primeira dama, para conhecer a turma e "sugerir" que fizéssemos os agradecimentos de praxe: ao prefeito, ao vice prefeito, ao promotor, ao delegado etc.

Notei que os olhares da primeira dama e, justiça seja feita, a mulher era um avião, se fixavam na minha humilde pessoa. A princípio achei normal: eu era o mais maduro (pra não dizer o mais velho) da turma e isso talvez provocasse mais confiança na madame.

Zezinho interrompeu a narrativa, como sempre:

- Rapaz, não precisa nem contar os entretantos, vá direto pros finalmente...

- Pois é – retomei a narrativa – trocamos de roupa e fomos para o camarim, atrás do palco. Camarim muito bem abastecido, diga-se: uísque, cerveja, refrigerantes, água, vários tipos de salgadinhos. Tudo do bom e do melhor. Começado o show, aboletei-me em cima do palco, de lado, para não aparecer, filmando o show com o celular. Eis que de repente surge em minha frente uma moça com um recado:

- A primeira dama (não falou assim, disse o nome dela, mas não vou falar aqui) quer falar com o senhor. Está no camarim esperando.

"Agora lascou" – pensei – E o prefeito? – perguntei.

- Está em casa. Daqui a pouco ele vem.

"Agora lascou, mais lascado ainda" – pensei de novo.

- O coroa ainda dá no couro – disse Zezinho, sorriso de descrédito estampado na cara.

- E dou mesmo, Zezinho. Não como em outros tempos, claro, mas dá pra quebrar o galho.

Traguei uma golada de uísque que coloquei numa garrafa de água mineral, quando estava no camarim, tomei coragem e fui encarar a beldade. Cheguei no camarim e a porta estava fechada. Bati na porta e ouvi aquela voz doce:

- Entre.

Entrei, claro. Tremendo que nem vara verde em tempestade de outono, e falei:

- Oi querida!

Ela me respondeu com um belo sorriso e pediu:

- Posso lhe dar um abraço? Aproximou-se e me abraçou falando: você não lembra mais de mim, né? Eu sou sua prima, filha de Vera, sua tia.

Só então percebi que eu estava iludido. Era mesmo minha prima, que eu não via há vários anos. Coisa de família grande. Mas o pior ainda estava por acontecer...

- Reconheci você logo que o vi, Osório. Mas você está bem envelhecido – disse ela.

Um tanto aliviado (estava com medo que o prefeito chegasse e nos surpreendesse naquele abraço) e um tanto retado com o sincericídio da moça, falei: "foi um sonho".

- O que? – indagou.

- Nada, esqueça. Vamos assistir o show.

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