Homenagear São Cosme e São Damião não é um costume exclusivo dos baianos, pois os dois santos são alvos da devoção de fiéis em vários estados e outros países. Mas os louvores dedicados a eles na Bahia ficaram impregnados da mística peculiar com que o povo da terra costuma por em prática seus ritos religiosos - herança das seitas negras que aqui chegaram e se mesclaram à clássica religiosidade cristã, difundida pelos portugueses.
Difícil o baiano que não oferece ou, pelo menos, participa de um dos "carurus de São Cosme", que proliferam pelo Estado no mês de setembro. O que antes era uma manifestação de fé restrita às camadas socialmente mais marginalizadas da população, tornou-se um costume que já penetra nos salões de suntuosas residências.
Dois-dois
É possível que algum terreiro de candomblé cumpra seu ritual em louvor de Ibeji durante esta época em que proliferam na Bahia as oferendas do tradicional caruru a São Cosme e São Damião.
É possível, até, que a função ocorra no dia 27 de setembro, data em que o calendário litúrgico da Igreja Católica reservou para homenagear a dupla de santos. A correlação entre as homenagens, entretanto, não vai passar de uma mera coincidência. Isso porque, apesar de no sincretismo religioso as figuras de Cosme e Damião estarem relacionadas com a do orixá Ibeji, eles são distintas e veneradas de maneiras diversas, dentro das suas respectivas seitas religiosas.
Equivocadamente, muitos leigos tentam fundir alguns santos católicos com as divindades das seitas trazidas para o Brasil pelos africanos, baseando-se num relacionamento que foi estabelecido entre estes e aqueles. Diversos estudiosos atribuem a este relacionamento um caráter puramente formal, nascido da necessidade que tiveram os negros de camuflarem suas práticas religiosas, que na época da escravidão eram proibidas pelos senhores.
Assim, quando tinham que se referir a Oxóssi, por exemplo, os negros falavam de São Jorge, cujo símbolo de dominador do dragão assemelha-se à imagem deste orixá, que é o senhor das matas e caçador. Idêntica semelhança acabou relacionando a figura de Omolu (deus da peste) à de São Lázaro, santo que conviveu entre os leprosos.
A partir e somente dentro desta conotação é possível relacionar São Cosme e São Damião a Ibeji, um orixá de características infantis, atributo que a crença popular também outorga aos dois santos canonizados pela Igreja Católica, que costumam ser denominados de "santos meninos".
Não há, portanto, como encarar o caruru oferecido durante o mês de setembro senão como uma homenagem específica à dupla de santos católicos.
História
A história dos gêmeos médicos que curavam sem cobrar já existe há quase dois mil anos e sobrevive em forma de fé.
Por difundir a fé em Cristo enquanto curavam, Cosme e Damião foram perseguidos e mortos pelo imperador romano Deocleciano, no dia 27 de setembro. Não se sabe ao certo o ano em que isso aconteceu, mas sabe-se que foi por volta do ano 300.
Os portugueses trouxeram para o Brasil suas crenças e santos e foi assim que a devoção por Cosme e Damião chegou por aqui. Com a chegada dos negros, as religiões africanas também foram trazidas. E a fusão de crenças nativas, europeias e africanas fez surgir o sincretismo e a reinterpretação de elementos.
Nas religiões de matriz africana, algumas imagens de Cosme e Damião tem uma terceira criança menor entre os gêmeos. Trata-se do Doum. Várias lendas explicam quem é a terceira criança.
Uma delas conta que Cosme, Damião e Doum eram trigêmeos e que com a morte de Doum os outros irmãos se tornaram médicos para curar a todas as crianças, sempre de forma gratuita.
Doum é considerado o protetor das crianças até sete anos de idade. Diferente das religiões de matrizes africanas, a religião católica comemora a data dos gêmeos em 26 de setembro. Cosme e Damião, além de protetores das crianças e dos gêmeos, também são considerados patronos dos médicos, dos farmacêuticos e dos sapateiros.
Como é?
O caruru, comida principal e que dá nome ao ritual, é preparado com quiabo cortado, camarão seco, castanha e amendoim, além de azeite de dendê.
A farofa branca é feita com farinha de mandioca, mel e vinho branco. A farofa amarela é feita com farinha de mandioca e azeite de dendê. Galinha de xinxin é temperada com dendê, gengibre e amendoim, além de cebola e tomate.
Acaçá, tem dois tipos: o de leite, preparado com farinha de trigo, água, açúcar e uma pitada de sal; o outro, além dessa mistura, contém uma porção de milho moído.. Ambos são enrolados em folha de bananeira. O arroz é simples, cozido em água e condimento de sal, apenas, o que ocorre também com o feijão preto, o inhame e a abóbora. O feijão fradinho, mais condimentado, recebe um punhado de camarão seco e azeite de dendê.
Vatapá, é mais requintado: feito à base de farinha de trigo ou de mandioca, pão ou fruta-pão, deve ser temperado com azeite de dendê, camarão seco, castanha, amendoim e gengibre. Há que ter ciência para saber o ponto certo, ou seja, quando sua consistência, idêntica à de um mingau grosso, lhe permite ser retirado do fogo.
As bananas da terra, em fatias, são fritas em azeite de dendê, enquanto as pipocas são feitas com o milho alho torrado em uma panela com areia. Coco, cana e rapadura são servidos crus. O aluá depende da mistura e da fermentação conseguidas com a junção do milho, gengibre, rapadura e açúcar. Não chega a ser uma bebida forte, assemelhando-se ao refresco. Mas quem facilita pode sair tropeçando, pois seu sabor delicioso induz a que se tome várias porções.
Fonte: Redação, com Revista Viver Bahia e Agência Brasil