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Nem Pelé, nem Rivelino, nem Gérson. Foi meu pai.

João das Botas

Por Jorge Matos em 05/10/2023 às 11:33:06
Ilustração: FreePik

Ilustração: FreePik

Me ordena o editor chefe do Hoje Bahia: por que você não faz uma crônica sobre crendices populares? Veio assim, com interrogação no final, para parecer uma sugestão; mas não me iludo: é uma ordem. Pedido, ou sugestão, de chefe quando seu salário está em dia é uma ordem, não uma sugestão. E para que ele (o salário) assim permaneça (em dia) vou tentar cumprir o pedido (ordenado).

Primeiro, me ponho a pensar na minha vovozinha querida, Vovó Dedé, que lá em Maragojipe, Bahia, que tentava me ensinar a sobreviver nesta vida tão cheia de perigos:

- Olhe para os dois lados antes de atravessar a rua - dizia sempre que eu saía.

Mas isso não é crendice popular. Acho que também não era crendice a colher de sopa de óleo de rícino que me obrigava a tomar e que funcionava como um laxante poderosissimo, que me obrigava a ficar sentado no vaso sanitário quase o dia inteiro.

Segundo o dicionário Houaiss, "crendice" é a "crença ou noção sem base na razão ou no conhecimento, que leva a criar falsas obrigações, a temer coisas inócuas, a depositar confiança em coisas absurdas, sem nenhuma relação racional entre os fatos e as supostas causas a eles associados". Ou seja, é acreditar em fatos ou relações sobrenaturais, fantásticas ou extraordinárias e que também não encontram apoio nas religiões ou no pensamento religioso.

Eu tinha uma amiga, - digo 'tinha' porque Deus a levou para compartilhar sua companhia cedo demais. Como eu ia dizendo, tinha uma amiga que, se tomasse um pouco de leite não comia manga por um bom tempo. Não só não comia a manga, como sequer se atrevia a passar por baixo de uma mangueira. Outro amigo, "Gaguinho" (era seu apelido, por motivos óbvios), passava o dia a tomar água na casquinha de ovo de galinha porque lhe disseram que era remédio para curar gagueira.

Muitas são as crendices nos rincões do nosso (ainda) Brasil varonil: acredita-se, por exemplo, que 'dá azar' passar debaixo de uma escada e, quebrar um espelho, pior ainda, porque o azar lhe perseguirá por sete anos. Também não é aconselhável cruzar com um gato preto na rua, principalmente se for uma sexta-feira,13. Agora, se você cruzar com o dito cujo gato, numa sexta-feira, 13 de agosto, tem jeito não, você tá lascado!

Mas nem tudo é azar nas crendices populares. Tem também as crendices "de sorte": fazer pedidos quando se vêem estrelas cadentes é uma delas. Entretanto, não se pode contar o pedido a ninguém, senão não dá certo. Jogar moedas em fontes (e esta não é só no Brasil), comer lentilhas ou pular sete ondas no ano novo também seriam garantias de realização de desejos.

Agora vou contar um segredo que guardo há mais de 50 anos: a Seleção Brasileira de futebol ganhou a Copa de 70 graças a meu pai. Nada de Pelé, Rivelino, Gérson e os outros "craques". Se preparem para saber o segredo: na primeira partida da referida Copa, se não me engano contra a Tchecolosváquia (atenção revisor, se não for assim que se escreve, pode deixar prá lá, porque o país nem existe mais mesmo...) os tais tchecos fizeram o primeiro gol contra o Brasil. Em seguida, meu irmão caçula, Guiga, deitou-se em baixo de uma mesinha de centro de uns 30 cm de altura, tampo de vidro, para assistir o jogo. Deu-se que o Brasil, com a inestimável e indispensável ajuda imaterial de Guiga, enfiou quatro gols nos gringos. Daí em diante e por toda a Copa, meu pai obrigava meu irmão a assistir o jogo embaixo da mesinha. Foi "pau e casca": Brasil tricampeão!

Vou ter que terminar por aqui porque estou sentindo a orelha esquerda ardendo, e isso, com certeza, é porque alguém está falando mal de mim. Nesses momentos, é aconselhável morder o colarinho da camisa ou a gola da blusa que se está usando. Assim, quem está falando mal morde a língua e cala a boca.




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