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Dos terreiros às avenidas

"... e se hoje ele Ă© branco na poesia, ele Ă© negro demais no coração" (VinĂ­cius de Moraes) vide letra completa no final da matĂ©ria

Por Jorge Matos em 02/12/2023 às 14:41:22
Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Neste sĂĄbado (2), é celebrado o Dia Nacional do Samba. A data surgiu por iniciativa de um vereador baiano, Luis Monteiro da Costa, para homenagear Ary Barroso. Ary jĂĄ tinha composto seu sucesso "Na Baixa do Sapateiro", mas nunca havia posto os pés na Bahia. Essa foi a data que ele visitou Salvador pela primeira vez.

"Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não"

História

Dos batuques africanos às rodas de samba como conhecemos hoje, muitos foram os elementos incorporados nessa trajetória, que tem como um dos marcos importantes a casa da famosa baiana Tia Ciata ou HilĂĄria Batista de Almeida. A yalorixĂĄ reunia de sambistas a políticos em seu quintal para fazer samba, sempre depois das festas para os orixĂĄs. Ali, no coração do território que ficaria conhecido como Pequena África, na região central do Rio de Janeiro, nasceria o primeiro samba a ser gravado, Pelo Telefone, do compositor Donga.

Até então o samba tinha um ritmo mais próximo do maxixe e foi aí que, por volta dos anos 1920, uma turma do bairro do EstĂĄcio, de acordo com os historiadores, viu uma oportunidade de criar uma escola de samba. E foi assim que nasceu a Deixa Falar, uma escola que nunca desfilou.

Mas esse grupo, formado por figuras como Mano Elói, Ismael Silva e Bide, fez também sambas de sucesso, que atravessaram gerações e continuam sendo cantados até hoje nas rodas espalhadas pelo Brasil.

Nascido nos terreiros

Em tese de doutorado sobre a relação do samba, espiritualidade e mulheres de axé, a pesquisadora e jornalista Maíra de Deus Brito, ressalta que o samba nasceu dentro dos terreiros, ganhando outras nuances quando chegou ao Rio de Janeiro.

"Quando Tia Ciata, Tia Perciliana, entre outras, saem da Bahia, da região do Recôncavo Baiano, e vão para o Rio de Janeiro, ali, vai ser desenvolvido outro samba, que é um samba urbano, o samba carioca, com temĂĄticas não sagradas", disse em entrevista à apresentadora Ana Pimenta, no programa Mosaico, das rĂĄdios nacionais da Amazônia e do Alto Solimões.

Embora desde o início tenham sido protagonistas na história do samba – apontadas como responsĂĄveis pelos primeiros sambistas cariocas – as mulheres ainda buscam reconhecimento. Na luta por um espaço mais democrĂĄtico, em 2018, surgiu o primeiro Encontro Nacional de Mulheres na Roda de Samba. A cada evento, as sambistas começam a tocar simultaneamente em diversas partes do Brasil e do mundo.

Cada canto, um samba

A pesquisadora ressalta ainda que em cada região do país o samba é influenciado por outros ritmos e valores culturais locais. No Norte, por exemplo, aproxima-se da influĂȘncia caribenha.

Em 2007, o Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reconheceu trĂȘs gĂȘneros do samba carioca como patrimônio cultural: rodas que cantam partido-alto, samba de terreiro e samba enredo.

"O samba não morre, porque estĂĄ sempre se reinventando", destaca a pesquisadora.

Na capital fluminense, as segundas-feiras são marcadas pelo Samba do Trabalhador, comandado por Moacyr Luz, que lota o Clube Renascença, casa referĂȘncia da resistĂȘncia negra na cidade. Uma das rodas mais disputadas, recebe tanto turistas como frequentadores assíduos, que cantam o repertório de cor, independentemente se faz ou não sucesso no rĂĄdio.

Oswaldo Cruz é um reduto histórico de grandes sambistas, como Monarco, Manaceia e Seu Mijinha. O bairro, formado pela população negra expulsa do centro com as reformas urbanas, tem nele a Feira das YabĂĄs, que resgata a cultura do samba no quintal, típico dos subúrbios cariocas. O evento, que celebra a cultura afro-brasileira, une música e comidas típicas feitas por matriarcas do samba, como Tia Surica.

Samba da BĂȘnção

Vinicius de Moraes


É melhor ser alegre que ser triste

Alegria é a melhor coisa que existe

É assim como a luz no coração


Mas pra fazer um samba com beleza

É preciso um bocado de tristeza

É preciso um bocado de tristeza

Senão, não se faz um samba não


Senão é como amar uma mulher só linda

E daí? Uma mulher tem que ter

Qualquer coisa além de beleza

Qualquer coisa de triste

Qualquer coisa que chora

Qualquer coisa que sente saudade


Um molejo de amor machucado

Uma beleza que vem da tristeza

De se saber mulher

Feita apenas para amar

Para sofrer pelo seu amor

E pra ser só perdão


Fazer samba não é contar piada

E quem faz samba assim não é de nada

O bom samba é uma forma de oração


Porque o samba é a tristeza que balança

E a tristeza tem sempre uma esperança

A tristeza tem sempre uma esperança

De um dia não ser mais triste não


Feito essa gente que anda por aí

Brincando com a vida

Cuidado, companheiro!

A vida é pra valer

E não se engane não, tem uma só

Duas mesmo que é bom


Ninguém vai me dizer que tem

Sem provar muito bem provado

Com certidão passada em cartório do céu

E assinado embaixo: Deus

E com firma reconhecida!


A vida não é de brincadeira, amigo

A vida é arte do encontro

Embora haja tanto desencontro pela vida

HĂĄ sempre uma mulher à sua espera

Com os olhos cheios de carinho

E as mãos cheias de perdão

Ponha um pouco de amor na sua vida

Como no seu samba


Ponha um pouco de amor numa cadĂȘncia

E vai ver que ninguém no mundo vence

A beleza que tem um samba, não


Porque o samba nasceu lĂĄ na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração


Eu, por exemplo, o capitão do mato

Vinicius de Moraes

Poeta e diplomata

O branco mais preto do Brasil

Na linha direta de Xangô, saravĂĄ!


A bĂȘnção, Senhora

A maior ialorixĂĄ da Bahia

Terra de Caymmi e João Gilberto

A bĂȘnção, Pixinguinha

Tu que choraste na flauta

Todas as minhas mĂĄgoas de amor


A bĂȘnção, Sinhô, a benção, Cartola

A bĂȘnção, Ismael Silva

Sua bĂȘnção, Heitor dos Prazeres

A bĂȘnção, Nelson Cavaquinho

A bĂȘnção, Geraldo Pereira

A bĂȘnção, meu bom Cyro Monteiro

VocĂȘ, sobrinho de Nonô


A bĂȘnção, Noel, sua bĂȘnção, Ary

A bĂȘnção, todos os grandes

Sambistas do Brasil

Branco, preto, mulato

Lindo como a pele macia de Oxum


A bĂȘnção, maestro Antonio Carlos Jobim

Parceiro e amigo querido

Que jĂĄ viajaste tantas canções comigo

E ainda hĂĄ tantas por viajar

A bĂȘnção, Carlinhos Lyra

Parceiro cem por cento


VocĂȘ que une a ação ao sentimento

E ao pensamento

A bĂȘnção, a bĂȘnção, Baden Powell

Amigo novo, parceiro novo

Que fizeste este samba comigo

A bĂȘnção, amigo


A bĂȘnção, maestro Moacir Santos

Não és um só, és tantos como

O meu Brasil de todos os santos

Inclusive meu São Sebastião

SaravĂĄ! A bĂȘnção, que eu vou partir

Eu vou ter que dizer adeus


Ponha um pouco de amor numa cadĂȘncia

E vai ver que ninguém no mundo vence

A beleza que tem um samba, não


Porque o samba nasceu lĂĄ na Bahia

E se hoje ele é branco na poesia

Se hoje ele é branco na poesia

Ele é negro demais no coração

Fonte: Redação, com AgĂȘncia Brasil

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