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Especial: lítio

Quem explora lítio no Brasil?

País pode entrar na estratégia de refino do minério, vê analista


Fotos: Agêncis Sputnik

Chamado de "ouro branco", o lítio é tido como o minério do futuro pelo seu uso em baterias, de celulares a carros elétricos. Com reservas significativas e uma matriz energética hidrelétrica, o Brasil está posicionado para atuar em uma importante etapa do ciclo do lítio, afirmam especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.

Estudos do Serviço Geológico Brasileiro estimam haver cerca de 900 mil toneladas de lítio no solo do país, a maior parte localizada no chamado "Vale do Lítio", região de Minas Gerais que engloba 14 cidades das mesorregiões do Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri.


Além disso, estados do Nordeste como Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Pernambuco contam com quantidades significativas do minério, como na Província Borborema (RN e PE), na região de Solonópole (CE) e em Itambé (BA). Outras reservas também podem ser encontradas na divisa entre Tocantins e Goiás.

Onde fica a maior reserva de lítio do Brasil?

A maior concentração do mineral fica nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri, em Minas Gerais.

Compõem o Vale do Lítio as cidades de Araçuaí, Capelinha, Coronel Murta, Itaobim, Itinga, Malacacheta, Medina, Minas Novas, Pedra Azul, Rubelita, Salinas, Teófilo Otoni, Turmalina e Virgem da Lapa.

De acordo com João Bosco (PP), prefeito da cidade de Itinga, uma das que estão no coração da exploração de lítio na região, o mineral já é extraído no local há mais de 35 anos, primeiro pela Companhia Brasileira de Lítio (CBL) e agora pela Sigma Lithium, que exportou sua primeira leva em julho de 2023 e enviou seu sexto carregamento em fevereiro deste ano.

A região, afirmou, tem um potencial minerador grande e a vinda das empresas trouxe benefícios. "Em primeiro momento o grande benefício foi a geração de empregos", disse. "E a geração de CFEM está acontecendo a partir de agora."

O CFEM, Compensação Financeira pela Exploração Mineral, é a compensação econômica paga pelas empresas pela exploração dos recursos minerais nos territórios de União, estados e municípios. Instituída na Constituição de 1988, a sua base de cálculo é a receita bruta deduzida dos impostos que incidem sobre a comercialização, ou seja, frete e seguro não entram na conta.

Para o lítio, a alíquota do CFEM é de 2%. Destes, a União recebe 10%, enquanto o estado, 15%. Municípios afetados pela atividade recebem 15%, enquanto o município onde ocorre a atividade extrativista recebe 60% da taxa. Repassados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), os recursos geralmente demoram cerca de 60 dias para serem transferidos.

"Nós temos o município descentralizado em diversas comunidades rurais", explicou Bosco. "E com esses recursos nós conseguimos melhorar a qualidade de vida das pessoas".

Com os recursos da compensação, que não pode ser utilizada para pagamento de dívidas ou custos de pessoal, o município tem melhorado sua educação, retomou a elaboração do Plano Diretor e está construindo um terminal rodoviário, melhorando também as vias da cidade.

Mineração do lítio no Brasil ainda é 'insignificante'

Das reservas de 900 mil toneladas, a produção brasileira foi de 2.200 toneladas em 2022, a quinta maior do mundo, segundo o Serviço Geológico dos Estados Unidos. Esses números, no entanto, são "insignificantes" quando comparados aos das reservas de outros países, afirma Luiz Jardim de Moraes Wanderley, professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ainda de acordo com a instituição norte-americana, as 900 mil toneladas colocam as reservas brasileiras em 11º lugar em todo o planeta. Em comparação, Chile, Argentina e Bolívia possuem mais de 50% das reservas do minério na região conhecida como Triângulo do Lítio.

Para Wanderley, que também coordena o grupo de pesquisa e extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (Poemas), da UFF, "a exploração desse minério no Brasil ainda é muito inicial".

"O Brasil ainda não é um país relevante nem em reserva e nem em produção."

Com exceção da Sigma Lithium e da Companhia Brasileira de Lítio, as demais empresas que atuam no Vale do Jequitinhonha ainda estão prospectando e com os seus requerimentos de licença em andamento, sublinhou o prefeito João Bosco. O mesmo ocorre nas demais reservas do país.

Esse fato chama a atenção para outro: a CBL é a única empresa brasileira que atua no setor da extração do minério de lítio até a fabricação de compostos químicos finais. Todas as demais, como a Atlas Lithium, MG LIT, Latin Resources e Oceana Lithium, são ou australianas, ou estadunidenses, ou canadenses, países com maiores reservas do mineral e maior expertise na mineração.

A CBL possui ainda uma operação verticalizada, que vai desde a extração, passando pelo beneficiamento do concentrado, até a sua transformação em composto químico de alta pureza. A Sigma Lithium, por sua vez, atua na exportação do minério refinado e já se anunciou como aberta a propostas de compra para o mercado.


Especula-se que a montadora chinesa de veículos elétricos BYD, que vai construir uma fábrica de automóveis e baterias em Camaçari (BA), esteja interessada em comprar os ativos brasileiros da companhia, verticalizando assim sua ação no Brasil.

Wanderley faz um alerta para que o país não repita a armadilha de dependência das commodities. "A mineração não é saída de desenvolvimento econômico nem para o Vale do Jequitinhonha e nem para o Brasil", afirmou.

"É preciso investir em indústria de conhecimento tecnológico para transição e adaptação às mudanças climáticas, e não para extração mineral."

Brasil pode atuar em etapa estratégica do lítio

De fato, não há empresas brasileiras com forte atuação na mineração do lítio como há na do ferro com a Vale, estatal que também atua na extração de outros elementos importantes para o futuro energético, como o cobalto e o níquel.

O lítio, diferentemente do ferro, é um metal classificado como leve — na verdade é o mais leve da natureza. Isso faz com que sua extração apresente diferença às de outros metais tradicionalmente explorados no Brasil, explicou Gustavo Doubek, professor associado da Faculdade de Engenharia Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

"Assim, é preciso a implementação de processo cuja expertise ainda não é praticada por empresas brasileiras", disse o especialista. "Mesmo à luz desse fato, a modificação de processos para permitir sua exploração certamente não estaria fora do alcance de mineradoras nacionais."

Para Doubek, entretanto, há uma etapa crucial no ciclo do lítio em que o Brasil tem chances de atuar e prosperar imensamente: o beneficiamento.

"Licenciar e implantar o beneficiamento do lítio é muito mais simples e barato do que implementar a mineração."

Equivalente a um refino, o beneficiamento aumenta o grau de pureza do minério e o deixa em condições de ser utilizado em compostos químicos como carbonatos e hidróxidos. "Esse processo eleva o valor agregado e torna o cenário industrial nacional mais receptivo à manufatura de baterias", disse Doubek.

O lítio pode ser utilizado em diversas aplicações, desde as baterias à produção de remédios, vidros e cerâmicas, couros, tecidos e até mesmo a indústria nuclear. Mas a bateria de veículos elétricos os acumuladores de alta capacidade — baterias que estocam a energia produzida por fontes solares e eólicas — são, "sem dúvida, o principal motivador da expansão de sua exploração".

"Temos também o benefício de a nossa matriz elétrica ser a mais limpa do mundo, o que reduz a pegada de CO2 do minério beneficiado."

Segundo Doubek, fabricar baterias de lítio é complexo, caro e tem baixo retorno do investimento. "Não à toa, a China tem dominado esse mercado". Logo não seria inteligente para empresas brasileiras se envolver nesse estágio.

A manufatura das células de íons de lítio, explicou o analista, envolve muito mais tecnologia e processos específicos, que "além de tornarem o retorno do investimento ruim, ainda lidam com algo sensível, que é o cuidado com a marca".

"Salvo algumas exceções", disse, "as montadoras automotivas compram as baterias de terceiros para seus veículos elétricos".

"Porém caso haja algum evento adverso, como incêndio, o dano recai sobre a marca, e não o fabricante das baterias."

Isso faz com que seja muito difícil "validar um novo player nacional na fabricação de baterias". Essas desvantagens, tecnológicas e imateriais, não ocorrem na etapa de refino, que "apesar de ter menor poder de barganha de seu preço, poderá explorar o aspecto de menor pegada de CO2 frente aos atuais fornecedores do lítio refinado."

Agência Sputnik

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