Itaeté é uma pequena cidade do sul da Bahia, onde as manhãs começam com o canto dosgalos e o aroma do café fresco se espalha pelas ruas e vielas. Ali, entre montanhas e rios, vivia Sônia, uma moça de olhos castanhos que sonhava com um mundo além das montanhas que cercavam sua cidade natal.
Sônia sempre quis morar na capital, Salvador, com suas ruas agitadas e praias ensolaradas. Quando conheceu Emerson, um jovem que também morava em Itaeté, viu nele uma oportunidade de realizar seu sonho. Emerson, com promessas de uma vida melhor e a possibilidade de morar na capital, convenceu Sônia a se casar com ele.
O casamento aconteceu em uma noite enluarada. Sônia, linda, com seu vestido simples e sorriso tímido, deixou para trás Itaeté, seus pais e suas amigas. Chegou a Salvador com o coração cheio de expectativas, mas logo percebeu que a realidade era bem diferente dos seus sonhos.
Os primeiros meses foram de adaptação. A cidade grande, com suas luzes e movimento incessante, a deixava deslumbrada e ao mesmo tempo assustada. Emerson, porém, mostrou-se um homem controlador e distante, que a tratava mais como uma empregada do que como esposa. Com o passar do tempo, vieram os filhos, duas crianças adoráveis que preenchiam seus dias, mas que também traziam mais responsabilidades.
Emerson e as crianças viam em Sônia apenas a figura da mãe e dona de casa. Seus sonhos de conhecer a cidade, de estudar e de viver novas experiências foram sendo deixados de lado.
Ela passava os dias cuidando do apartamento, das crianças e atendendo às demandas do marido, que pouco a pouco a explorava e a podava dos pequenos prazeres da vida.
Certa noite, após colocar os filhos para dormir, Sônia sentou-se na varanda. O vento fresco trazia um pouco do aroma do mar e as lembranças de Itaeté. Sentiu um aperto no peito ao perceber que havia deixado escapar sua juventude e seus sonhos por uma promessa vazia. Os anos haviam passado, e ela agora se via presa em uma rotina que não escolheu.
A ideia de voltar atrás parecia impossível. Seus filhos precisavam dela, e a dependência financeira de Emerson a impedia de tomar qualquer decisão drástica. Mas a vida é cheia de surpresas, e em uma tarde qualquer, enquanto passeava com os filhos na praça, Sônia encontrou uma velha amiga de Itaeté, Marta, que estava na cidade a trabalho.
As duas conversaram por horas, e Sônia, pela primeira vez em anos, sentiu-se ouvida e compreendida. Marta lhe contou sobre as oportunidades que havia encontrado ao estudar à distância e trabalhar remotamente. Plantou uma semente de esperança no coração de Sônia.
Com determinação, Sônia começou a buscar formas de retomar o controle de sua vida. Inscreveu-se em cursos online, estudava durante a noite quando todos já dormiam e, aos poucos, começou a fazer pequenos trabalhos para amigas e conhecidas. Aos poucos, foi ganhando confiança e independência.
Emerson percebeu a mudança em Sônia, mas já não tinha o mesmo poder sobre ela. Os filhos, agora um pouco mais crescidos, começaram a valorizar e apoiar os esforços da mãe. Com o tempo, Sônia encontrou uma nova força dentro de si e viu que nunca era tarde demais para recomeçar.
Aquela pequena moça de Itaeté, que sonhava com a vida na capital, encontrou em si mesma a coragem para transformar sua realidade. Mas, faltava preencher um vazio: o amor, que repetinamente surgiu no seu coração ao reencontrar George, um amigo de longa data que havia partido para morar em outra cidade. George havia divorciado a cerca de dois anos. Ao despedir-se, George tocou-a no rosto, com carinho, e foi então que a chama do amor reacendeu. Mas criou um novo conflito: como Sônia resolverá esse novo problema?
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Passados cerca de dois meses do encontro com George, Sônia teve um sonho que ela considerou "muito estranho": em uma praia não identificada, ela e George faziam amor sob a sombra de um coqueiro. Era um amor repleto de carinhos de parte a parte: muito diferente das "transas" egoistas e frenéticas, quase animalescas, praticadas com Emerson.
Sônia tentava encontrar palavras para descrever o que sentiu no auge do gozo. Mas não conseguia: "palavras não conseguem explicar o que senti naquele momento". Lembrava que, no sonho, George murmurou: "o futuro é aqui, e agora". O que será que ele pretendeu dizer com essa frase? "Tenho que ligar para ele, inventar uma desculpa qualquer e ligar". Precisava voltar a ouvir sua voz.
Lembrou-se ter guardado o número dele camuflado no nome de Kátia, amiga de infância que há muito tempo não encontrava. Tinha receio de colocar o nome dele, já que Emerson vivia olhando suas mensagens no celular. Certa vez acordara de madrugada e lá estava Emerson "fuçando" suas ligações, ávido por encontrar provas de uma traição que não existia. "Se ele tivesse acesso aos sonhos, aí sim", pensou divertida.
Naquele dia Sonia pegou no telefone móvel várias vezes na intenção de ligar para George. Mas lhe faltava coragem.
Passada uma semana, aproveitando-se da ausência prolongada de Emerson e os meninos, que foram ao estádio assistir a um jogo do Vitória, criou coragem e ligou.
- Alô, disse George
- Oi George, é Sônia...
- Eu sei, salvei seu número.
- Por que não me ligou?
- Fiquei preocupado em ligar e ser atendido por seu marido. Sei o quanto ele é ciumento.
Tenho pensado muito em você e gostaria de encontrá-la, - disse George, não conseguindo esconder o nervosismo.
Criando coragem, Sônia confessou:
- Há uma semana sonhei com você.
- Foi no domingo? George indagou, surpreso.
- Sim, como você adivinhou?
- Eu também sonhei com você no domingo. Foi o melhor sonho da minha vida...
- O meu também. No sonho, você falou: o futuro é aqui, e agora.
George, nervoso, quase gaguejando, falou: "Sônia, queria, independentemente do que venha a ocorrer, lhe dizer que eu já fui apaixonado por você. Lembro do seu casamento, na igreja, em Itaeté. Eu já estava casado com minha ex, mas, ao ver você, linda, sorridente, mas com os olhos que demonstravam uma profunda tristeza, fiquei certo do meu amor. Agora que a reencontrei, quero você prá mim". Sônia, excitadíssima, exclamou: também quero você...
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Naquela noite, assim como em várias noites que se seguiram, George praticamente não dormiu; lembrava dos momentos de convivência com Sônia, principalmente daquele revèillon, quando ela, inadvertidamente, beijou-o nos lábios. Teria sido um beijo proposital? Isso George jamais saberia.
Por vários dias Sônia aguardou, ansiosa, o contato de George. Até que recebeu a notícia por amiga comum.
- Você soube da morte de George? Enfarte fulminante. Foi na semana passada, à noite...
Sônia quedou-se, pasma. Nada havia para dizer.