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'É assim que a economia multipolar nasce': analistas mostram como sanções se voltaram contra os EUA

O fracasso dos Estados Unidos em controlar os fluxos de capital é reflexo da decadência que o país enfrenta

Por Jorge Matos em 25/09/2024 às 14:57:21
Foto: AP Photo / Gianluigi Guercia / Agência Sputnik

Foto: AP Photo / Gianluigi Guercia / Agência Sputnik

Após 70 anos como principal potência mundial, hoje os Estados Unidos se encontram em decadência por conta de erros de sua própria autoria, como uma perspectiva egoísta nas relações internacionais e o estabelecimento de sanções.

No episódio desta terça-feira (24) do Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, especialistas em geopolítica detalharam como os Estados Unidos usaram sua moeda, o dólar, para se manter no poder e como essa sanha por permanecer na primeira posição indisputável se mostrou um tiro pela culatra.

Uso do dólar como moeda global

A ascensão dos Estados Unidos como superpotência global ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, quando foram a única potência a sair do conflito com o seu território íntegro, afirmou Filipe Ribeiro, especialista em energia e administrador da página Geopolítica em Português.

A partir dessa posição privilegiada, os Estados Unidos começaram a desenhar o mundo à sua maneira, ajudando a reconstruir a Europa Ocidental e criando, junto a elas, instituições econômicas para o mundo capitalista com os Acordos de Bretton Woods, nomeadamente o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Direcionando a economia do bloco capitalista, os EUA atrelaram o dólar ao padrão-ouro, fazendo com que se tornasse um novo padrão nas moedas dessa parte do mundo. Com o tempo, os norte-americanos notaram uma nova oportunidade e acabaram com esse lastro físico do dólar. Em seu lugar, descreve Ribeiro, surgiu o petrodólar.

"Isso deu muita força ao dólar porque eles sabiam que o dólar teria que ser obrigatoriamente utilizado no comércio mundial."

Hugo Dionísio, advogado, analista geopolítico e fundador do blog Canal Factual e do canal Multipolar-TV, explicou que, ao ganhar essa primazia no comércio global de hidrocarbonetos, o dólar também se associa a sistemas financeiros mundiais como o SWIFT: "Uma coisa não existe sem a outra."

É a partir desse momento que os norte-americanos percebem o poder de usar sua moeda como arma através de sanções. O mecanismo funciona como um ciclo vicioso. Uma vez que não transacionam nos sistemas de transação, os países-alvo não obtêm dólares. Sem dólares, tampouco conseguem comprar e vender de outros países que necessitam da moeda norte-americana para efetuar trocas no SWIFT.

Na prática, os países se tornam isolados, párias mundiais. Esse sistema do "dólar-bomba" funcionou bem enquanto atingiu países pequenos, como Cuba, Venezuela e Coreia do Norte, mas foi a partir da inclusão do Irã e, principalmente, das sanções contra a Rússia, que tudo começou a desandar para os EUA.

"Quando começam a retirar esses países do SWIFT, acabaram criando mercados paralelos porque esses países têm commodities que valem muito dinheiro no mercado mundial."

EUA: em processo de decadência

Esses países, destaca Dionísio, têm grande capacidade de gerar acordos bilaterais e criar mercados à margem do dólar, que contornam o sistema Bretton Woods.

"É assim que esta economia multipolar nasce."

O fracasso dos Estados Unidos em controlar os fluxos de capital é reflexo da decadência que o país enfrenta hoje, 30 anos após a queda da União Soviética. "Até aqui eles eram o único país que aplicava sanções a todos. Hoje em dia já vemos retaliações. A China aplica, a Rússia aplica. E existe todo um Sul Global que vê outros países poderosos que permitem fazer alianças em um mundo de poder disputado", disse Ribeiro.

A Rússia, como grande nação que herdou muitas capacidades econômicas da União Soviética, surge como um polo natural de poder alternativo aos EUA. Já a China, destacam os analistas, representa justamente uma consequência inesperada da política exterior norte-americana.

Dentro da arquitetura mundial, criada pelos estadunidenses — na qual eles ficam no topo da divisão do trabalho, os europeus no centro das cadeiras de valor e os países periféricos relegados à produção de commodities —, a China nunca foi vista com capacidade de produção sofisticada, apontou Dionísio.

Só que esse não foi o plano seguido pela China, que conseguiu se desenvolver, apesar dos esforços contrários dos EUA.

Hoje, a despeito das sanções norte-americanas, o país liderado pelo Partido Comunista chinês avança em passos largos para obter a primazia nas indústrias do futuro, como eletrificação, inteligência artificial, telecomunicações e semicondutores.

"As sanções só fizeram com que a China duplicasse os investimentos nessas áreas onde estavam a receber sanções e ultrapassar mais rapidamente os desafios", afirmou Ribeiro.

A alternativa multipolar

Com sua ascensão, a China apresenta também seu modo de diplomacia para os países do mundo. São relações "ganha-ganha, win-win, parceria de benefício mútuo", explica Ribeiro.

"Os Estados Unidos normalmente tentam fazer um acordo em que o benefício principal é claramente para ele."

Isso é visto de maneira evidente nas ações de ambos no continente africano, afirmaram os especialistas.

Por um lado, os EUA se utilizam de sua posição privilegiada no Banco Mundial e no FMI — instituições criadas por eles próprios — para aprisionar os países africanos em empréstimos e continuar o domínio do dólar e da ideologia capitalista neoliberal nesses países.

"Todas essas condicionalidades perpetuam a pobreza desses países. Ora, isso é uma realidade inquestionável", cravou Dionísio.

Por outro lado, a China vem realizando uma série de construções de infraestrutura com empréstimos a juros zero para desenvolver o continente como parte da Iniciativa Cinturão e Rota, como forma de encontrar mercado para suas indústrias.

"A China perdoou completamente as dívidas em alguns países africanos e tem sido o principal país que tem, de fato, tentado fazer com que o continente africano desenvolva capacidades próprias", lembrou Ribeiro.

Essa distinção da política externa dos dois países não é de agora, mas histórica. Desde o Destino Manifesto e a Doutrina Monroe, os Estados Unidos olham para si mesmos como o país que deve liderar o mundo, enquanto os demais são vistos "como uma fonte de recursos".

"Os Estados Unidos têm alguns séculos de existência, mas a China tem milhares de anos."

Nessa história milenar, a China sempre teve como um dos destaques de sua política externa as relações comerciais. Quando o país chegou com navios ao Oriente Médio e à costa africana, tinha capacidade militar para fazer "algo como uma colonização ou uma usurpação de poderes", descreveu.

Não foi o que fez, contudo. Pelo contrário, estabeleceu relações de troca, seja de mercadorias, seja de conhecimento. Essa mentalidade segue na diplomacia do país até hoje. A política atual do governo chinês é baseada numa estrutura da "prosperidade comum", disse Ribeiro.

"E essa prosperidade comum, eles dizem que é uma prosperidade comum para todos os países, não só dentro da China ou só na Ásia. É para todos os países."





Fonte: Agência Sputnik

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