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Magali e eu

Jorge Matos

Por Jorge Matos em 10/01/2025 às 13:17:39
Magali, quando jovem

Magali, quando jovem

Vocês, queridas leitoras ou vocês, caros leitores já moraram sozinhos? Se não, não imaginam o que estão perdendo... há alguns anos, decidi encontrar a paz em Mar Grande, sede do município de Vera Cruz, ilha de Itaparica, Bahia. Aqui, me despojei das gravatas, paletós e sapatos que a vida me impunha. Durmo a hora que quero, acordo a hora que quero, como o que quero etc, etc, etc. Sintetizando, vivo em um dos paraísos terrestres sem nem ter sido julgado pelo conselho celestial que determina se vamos morar no céu ou no inferno.

Mas, é importante destacar, também, algumas vicissitudes, também conhecidas como 'perrengues' pelos mais jovens. Dentre elas, o meu relacionamento com a vassoura. Magali, que é como eu a chamo, simplesmente não responde aos meus comandos. Passo horas varrendo o apartamento e ao término, invariavelmente, me deparo com os mesmos ciscos (poeiras) que lá estavam antes. Varro que nem um condenado e ao final tento colocar o entulho em uma pá que dizem ser apropriada para isso, mas os ditos ciscos resistem bravamente e se negam a subir na tal pá 'apropriada'. Já rezei "Pai-nosso", "Ave-Maria", até fiz oração para Xangô ("Salve Deus do Machado Sagrado, pelo seu Oxé, eu peço proteção e justiça em meus caminhos. Faça-me forte como as rochas que governa. Puro de alma e coração, deposito em suas mãos a minha confiança e, sendo assim, sei que com sua magnanimidade intercederás por mim") completando: e ordenarás a essa maldita poeira que suba na pá para que eu possa jogá-la no lixo. Adiantou não!

Pensei em trocar a Magali, mas não tive coragem. Acho que me efeiçoei demais à filha da mãe e reconheço nela uma virtude que a destaca em relação à moça que vem, semanalmente, fazer a limpeza que não consegui. Magali não fala nada e, graças a Deus, não canta músicas (?!) de Leo Santana ou sertanejos. Fica ali no seu cantinho, ensimesmada, acho que pensando se eu a odeio ou a amo.

Outro 'perrengue' da vida solitária é a relação com as compras de supermercado. Quando morava com outras pessoas, eu mal percebia o ritual; os mantimentos simplesmente apareciam. Mas agora, sozinho, tudo é comigo. Fazer a lista já é uma tarefa digna de uma missão de espionagem: lembrar de tudo, calcular as quantidades, e, o mais difícil, resistir às tentações que surgem ao longo dos corredores. Ah, as prateleiras de guloseimas! Parecem sussurrar meu nome, e eu, como um incauto, acabo comprando coisas que nem sei onde vou guardar.

Mas o pior não é nem isso. O problema real acontece na volta. Aquela sensação triunfante de ter feito a compra completa se desfaz ao subir as escadas do prédio com as sacolas pesando como pedras. Cada degrau se transforma em uma batalha pessoal. E, depois de finalmente chegar ao apartamento, o dilema: guardar tudo. A geladeira, que parecia grande e espaçosa, misteriosamente se torna minúscula diante do monte de alimentos. É um jogo de Tetris, e eu nunca ganho.

Porém, o verdadeiro drama da vida solitária se revela quando algum eletrodoméstico resolve falhar. Outro dia, meu fogão, cansado de anos de serviço, decidiu parar de funcionar bem no meio do preparo de um macarrão. Tentei, como um cirurgião de última hora, dar uns tapinhas nas chamas, ajustar o gás, implorar por um último fôlego de vida... mas nada. O macarrão ficou lá, meio cru, meio cozido, um desastre culinário.

Ainda assim, não trocaria essa vida por nada. A liberdade de estar em meu espaço, de ouvir o silêncio, ou até de dialogar com a vassoura Magali ou xingar o fogão, é algo impagável. Porque, no fim das contas, é isso: a casa é minha, e os perrengues também.


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