O tema foi distribuído a três escritores baianos: Maria. Nome sólido em sua feminilidade, em sua santidade, em sua cotidianice, suscitou esta crônica de Ariovaldo Matos, honrando, pela primeira vez, esta revista "Mulher" com seu trabalho. Depois de Jorge Amado, Ariovaldo é o escritor mais escritor da Bahia. Sua vida tem sido isto: escrever, escrever,. Contos, romances, teatro, jornalismo, tudo. Porque escrever é seu ofício, sua vida. E se mais não faz é proque mais não pode. Nem precisa.
Eis sua crônica:
Esse título de crônica amiga, é um dos momentos em que não uma, mas várias Marias cruzaram-se em meus caminhos. E permanecem, ainda, porque a miséria se agrava e os mistérios se adensam.
Se não me engano, e tenho boa memória, título e texto foram de reportagm de José Contreiras, para o "Jornal da Bahia", por volta de 1959 ou 60. Ele trabalhou uma pesquisa sobre prostituição e a presença do nome Maria era da ordem de uns 70%, dominantemente oriundas e, com elas, seus mistérios, dos municípios do Recôncavo. Talvez a pesquisa que Gey Espinheira e sua equipe realizaram para a Fundação do Pelourinho, sobre a população da área, ofereça dados pelo menos essemelhados.
Um parêntese, Terezinha: os jornalistas baianos continuam preocupados com bons títulos. Há uma tradição, no particular. Quando Francisco Alves morreu, já não me lembro o ano (quanto a números, minha memória é fraca), a manchete de Inácio Alencar para o "Diário da Bahia" foi magnífica: "Adeus, cinco letras que choram". Exatamente o primeiro verso da canção que o inesquecível Chico Viola gravara, meses antes do acidente automobilístico em que morreu. E, como Juscelino, faz poucas semanas, na estrada Rio-São Paulo.
Não há muitos anos - era campanha eleitoral, na Estrada da Liberdade eu catava votos de eleitores retardatários para Josafá Marinho, João Borges e Newton Macedo Campos - reencontrei Maria, minha primeira namorada. Estava casada, com filhos. Mais do que a alegria de votos talvez conquistados, reverdeci na memória pouco dos alegres anos da minha adolescência. Não apenas lembro, mas recordo - distingo lembrança, por devolver pouco, de recordação - que ela morava bem perto da minha casa, em Nazaré, e com frequência, para que ela ouvisse, em saudosa varanda, eu cantava romanticamente "Maria, o teu nome principia / Na palma da minha mão / E ele cabe direitinho / Dentro do meu coração / Maria". Também perto morava meu amigo Afonso, hoje funcionário da Empresa de Transportes Aéreos. Acredito ter sido ele quem primeiro me advertiu quanto à minha total incapacidade para, sequer, trautear:
- Vá ser desentoado assim no inferno!
Eu não acreditei e, suponho, esse também um dos motivos porque Maria me deu adeus - e foram cinco letras que choraram muito, na época, mas já não doem. As boas lágrimas, mesmo as que a gente chora prá dentro, são assim: com o tempo, ganham qualidade nova e pulam da dor para a alegria.
Veja, então, amiga como são poderosas tais palavras em M: Memória, Miséria, Mistério e Maria.
Fonte: Crônica originalmente publicada no suplemente "Mulher", do "A Tarde", em 3 de setembro de 1977