Caminhava distraído na orla atlântica de Mar Grande em devaneios psicodélicos (sem uso de substâncias químicas, claro) quando me veio à lembrança a figura inescrupulosa de "Beto Culhuda". Beto era (digo era, porque não sei do seu destino há mais de 40 anos), digamos assim, um "mentiroso compulsivo". Lembro de algumas inofensivas, como aquela onde ele afirmava ter dirigido entre Salvador e Feira de Santana (108 quilômetros) sempre na contramão. Em outra, afiançou que era perseguido por uma viatura da polícia, em Amaralina e, com cerca de 100 quilômetros por hora no seu velho fusquinha, abriu a porta, pegou um coco que estava estrategicamente no meio da avenida e arremessou o referido coco no para-brisa da viatura policial, conseguindo, assim, escapar da perseguição.
A última informação que recebí de "Beto Culhuda" foi de que o mesmo estaria preso, acusado de estelionato.
Aqui um adendo, que os adendos foram feitos para serem usados: quem não teve a sorte de ter nascido na Bahia, é provável que não saiba o que é "culhuda"; generosamente e sem nada cobrar, explico: "culhuda", em tese, é o mesmo que mentira, dissimulação, gabolice etc.
Há quem diga, entretanto, que a mentira, do ponto de vista sociológico, é um fenômeno universal que ocorre em todas as culturas, mas seus significados e consequências variam conforme o contexto social e as normas culturais. "A mentira, enquanto prática social, pode ser entendida como um comportamento que desafia os valores da verdade e da confiança, que são fundamentais para o funcionamento de sociedades complexas" disse um sociólogo contemporâneo que me fugiu o nome.
De acordo com o meu amigo e guru Rogério Câncio, na sociologia funcionalista, a mentira pode ser vista como uma ferramenta para manter a ordem social. Muitas vezes, as pessoas mentem para evitar conflitos, preservar relacionamentos ou manter a harmonia social. Pequenas mentiras, como as chamadas "mentiras sociais", são frequentemente usadas para suavizar interações sociais, evitar constrangimentos ou proteger os sentimentos de outras pessoas. Assim, embora a mentira pareça imoral em alguns contextos, ela pode ter uma função social estabilizadora. Concordo (na tese) com Rogério, mas "culhudas sociais" não existem. mentira sim, culhuda, não!
A análise da mentira em termos de poder revela que mentir pode ser um ato de manipulação ou de controle. Governos, (como o do inelegível) empresas e instituições muitas vezes usam a mentira ou a desinformação como estratégia para moldar a opinião pública, ocultar falhas ou ganhar vantagem. Autores como Michel Foucault discutem como a produção de verdade (ou de mentiras) está intrinsecamente ligada ao exercício do poder, onde o controle sobre o discurso e a informação pode legitimar ou deslegitimar determinadas narrativas.
Mas, qual o impacto social de uma mentira? A mentira pode minar a confiança social, uma vez que a confiança é uma base essencial para a cooperação humana. Quando as mentiras são reveladas, a credibilidade de indivíduos, instituições ou até de sistemas inteiros pode ser abalada, levando a crises de confiança. Isso é particularmente evidente em crises políticas, quando a mentira sistemática leva à desconfiança das autoridades e à ruptura da coesão social.
Diferentes culturas possuem percepções variadas sobre o que constitui uma mentira aceitável. Em algumas sociedades, como no Japão, evitar o confronto e preservar a harmonia social pode justificar mentiras diplomáticas. Foi assim em Pearl Harbor, né? Já em outras culturas, como nos Estados Unidos da América do Norte, a transparência era mais valorizada, até o surgimento de um imbecil chamado Trump, quando as mentiras tornaram-se comuns.
Como o espaço já está devidamente ocupado, prometo a vocês que tiveram a devida paciência e conseguiram chegar até aqui que na próxima crônica farei uma análise filosófica da mentira. Pode acreditar!
Fonte: Redação