"Quem me conhece sabe" que sou fã incondicional do jeito de ser do baiano. Nas minhas andanças pelas calçadas da "velha Salvador" - velha, mas linda, diga-se - me deparo cotidianamente com expressões, muitas vezes chulas, mas sempre repletas de uma criatividade que só o baiano tem. Ainda ontem ouvi de duas senhoras o diálogo que segue:
- Fulana (não recordo o nome), há quanto tempo! Você levou um pedaço sumida...
- Lá ele! Pedaço, não - respondeu 'fulana' - e eu sou mulher de pedaço?! Eu gosto é inteira, e não é qualquer uma não...
Ambas 'cairam na gargalhada', porque na Bahia sorrir é para quem anda, digamos, triste. Qualquer diálogo termina com uma sonora gargalhada.
Outro diálogo que me chamou atenção, esse, entre dois homens de meia idade, na lanchinha que faz a travessia de Salvador a Mar Grande, na ilha de Itaparica:
- Rapaz, esperei você mais de duas horas 'de relógio' e você não apareceu...
- Eu fui sim, atrasei um pouquinho, mas cheguei. Pergunte a Januário...
Pensei cá comigo: se precisa do testemunho de Januário, provavelmente é porque não foi mesmo. E se foi, atrasou duas horas e acha que é "um pouquinho"!
E as "duas horas de relógio"? Na Bahia, o tempo pode ser marcado por 'de relógio', 'da zorra', 'um pedaço' e terá sempre um 'Januário' para confirmar.
Baiano raramente diz não. Se você marcar um encontro com um baiano e ele responder "pode deixar que eu vou", tenha certeza: não vai não. "Pode deixar" é uma espécie de habeas-corpus preventivo pra não ir.
Também se você marcar um encontro com um baiano e ele responder "talvez eu vá", "vou fazer o possível para ir", "se der eu vou" ou qualquer outra condicionante, pode ter certeza: vai não! Agora, se for para uma festa, um mocotó, caruru etc, nem chame. Basta dizer: amanhã vou fazer um mocotó (ou caruru, ou feijoada etc) acredite, ele vai aparecer como quem não sabia de nada - rapaz, dirá ele de olho na iguaria, cheguei na hora certa. Isso já pegando o prato e se servindo
O baiano é alegre, festeiro, hospitaleiro. São características que todos conhecemos e admiramos.
Mas o baiano é, também, ordeiro, disciplinado, trabalhador, respeitador das diversidades; pode ter certeza. Mas em caso de dúvida, pergunte a Januário.